quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Marxismo, imperialismo e racismo, as explicações do professor Domenico Losurdo


Crítica à cultura do trabalho



O trabalho ocupa um papel central na nossa sociedade. É através do trabalho que produzimos nossos meios de subsistência (alimentos, vestuário, moradia, etc), que satisfazemos nossas necessidades físicas, econômicas e sociais, e que produzimos os diversos bens e serviços que fazem parte do nosso dia a dia. Marx aponta o trabalho como elemento que distingue os seres humanos dos animais, fazendo uma comparação entra "o pior arquiteto e a melhor abelha": o primeiro concebe previamente o trabalho que vai realizar, enquanto a abelha labora instintivamente. Pode-se dizer que é através do trabalho que os seres humanos se realizam na sua plenitude, transformando a natureza conforme as suas necessidades e construindo um mundo novo, cheio de oportunidades e descobertas maravilhosas.

Por outro lado, o trabalho também pode ser visto como elemento de exploração e alienação das pessoas. Na Grécia Antiga havia uma divisão muito clara entre os "cidadãos", que não trabalhavam e viviam somente para a realização de atividades sociais, políticas e culturais, e os escravos, que trabalhavam duramente para sustentar o padrão de vida dos demais. Há diversos exemplos na história da humanidade que mostram a divisão do trabalho como elemento de opressão e exploração de uma classe social sobre a outra, como acontecia entre servos e vassalos na Idade Média, ou entre escravos e senhores de engenho no Brasil Colonial, ou mesmo entre patrões e empregados na atual sociedade capitalista moderna.

A partir dos anos 1970, os principais países capitalistas começaram a sofrer transformações profundas nas suas formas de organizar o trabalho, transformações essas que acabaram sendo incorporadas pelas diversas áreas do conhecimento humano, como a cultura, a tecnologia, a educação, a política, etc. Por possuir características próprias e originais, esse novo período de reestruturação produtiva foi denominado de Pós-fordismo, ou também de Toyotismo, uma vez que foram as fábricas japonesas da Toyota as primeiras a incorporar esse novo modelo de produção, através da incorporação da robótica e da eletrônica, da desfragmentação e descentralização do processo produtivo, dos sistemas de produção just-in-time, e da incorporação do conceito de "flexibilidade" como elemento ideológico ao qual os trabalhadores deveriam   se submeter. 

Nas economias da periferia do capitalismo, como na América Latina, esse período foi marcado por uma série de mudanças econômicas e sociais. Foi especialmente na década de 1990, através de diversos governos de orientação neoliberal, que uma série de reformas foram feitas nas economias dos países latino americanos, essas reformas seguiam as orientações do Consenso de Washington. Como reflexos para o mundo do trabalho, esse novo modelo trouxe a desregulamentação, a precarização e a desestruturação do mercado de trabalho, aumentando o grau de exploração dos trabalhadores e incorporando no seu discurso ideológico a competitividade, o individualismo e a meritocracia, atribuindo ao trabalhador a responsabilidade pelo seu sucesso (ou insucesso) no trabalho.

O vídeo acima faz alusão à "cultura do trabalho", visão típica da vertente cristã, que valoriza o empenho individual como meio para a prosperidade. Tal visão assemelha-se à ideologia neoliberal do culto ao individualismo e ao esforço individual. O rapaz (jovem), que trabalha precariamente em uma esquina limpando os vidros dos carros, recebe uma oportunidade de desempenhar seu ofício em outro espaço, dessa vez nos altos de um edifício comercial. Metafórica e socialmente, o rapaz "ascendeu na vida", uma vez que, devido ao seu empenho e dedicação individual, agora ocupa um emprego formal. Ironicamente, o rapaz que antes trabalhava por conta própria, era dono dos seus instrumentos de trabalho e tinha o domínio sobre a sua jornada laboral diária, agora está enquadrado na rígida disciplina do trabalho formal, tem uma jornada de trabalho a cumprir e atende às ordens de um patrão ou supervisor. 

Fica explícito que a mensagem do vídeo trata de forma positiva essa mudança na vida do rapaz, bem como faz questão de demonstrar o sentimento de gratidão do rapaz pela oportunidade recebida. Na vida real, a suposta segurança e estabilidade atribuída à nova ocupação do rapaz está submetida a uma série de incertezas e riscos. Também fica nítida a divisão do trabalho social entre o rapaz e o senhor que lhe deu o cartão da empresa. Enquanto o senhor mais velho ocupa uma posição de direção na empresa, realizando um trabalho intelectual e bem valorizado, ao rapaz jovem é reservado o trabalho braçal e alienado de limpador de janelas.